A pandemia fez a saúde mental passar do tabu à estratégia. Afinal, não dá mais para ignorar os prejuízos causados pelos casos de ansiedade, depressão e burnout nas empresas
“Sem saber onde ia dar, me inscrevi para uma das primeiras turmas do curso que ele estava abrindo”, conta a fundadora da consultoria Maker Brands. De lá para cá, o interesse em torno do tema a levou para o Butão — país que usa um índice de felicidade para orientar suas políticas de desenvolvimento —, e de volta à universidade (hoje ela é, também, psicanalista).
No percurso, a consultora criou um programa de desenvolvimento pessoal chamado de Jornada da Felicidade, que tem como base a psicologia positiva e, entre os participantes, estão muitos daqueles executivos sem brilho nos olhos de anos atrás.
O professor Tal Ben-Shahar justifica o que torna seu curso tão interessante: “Felicidade é um bom investimento para as organizações”. Ele tem razão. Um estudo da Organização Mundial da Saúde mensurou a taxa de retorno: para cada 1 dólar investido em tratamento para transtornos mentais comuns, como depressão e ansiedade, há um retorno de 5 dólares em melhoria da saúde e da produtividade.
“A razão disso é que, quando experimentamos emoções prazerosas, somos mais criativos, mais motivados, formamos relacionamentos melhores e ficamos mais saudáveis fisicamente. Os executivos devem investir na própria felicidade e na de seus funcionários como um fim em si mesmo e também como um meio para obter lucros maiores. A felicidade compensa!”, diz Ben-Shahar.
Mas não foi essa conta, nem a repetição dos conselhos do professor de Harvard às mais diversas plateias pelo mundo, que fez com que o tema da felicidade ganhasse espaço (ou parasse de ser negligenciado) nas empresas. A mudança de mentalidade veio pela dor.
As estimativas de casos de burnout, depressão e suicídio são assustadoras. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, 1 bilhão de pessoas vivem com um transtorno mental no mundo. Estima-se que o estresse no local de trabalho custe à economia dos Estados Unidos mais de 500 bilhões de dólares por ano com gastos em saúde, auxílio-doença, absentismo ou presenteísmo, que é quando o trabalhador não consegue render.
No Brasil, são 12 milhões de depressivos e outros 18,6 milhões de ansiosos — respectivamente 7% e 11% da população adulta. Doenças mentais atingem 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores e são responsáveis por 285.000 afastamentos por ano (dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho). E a pandemia ainda fez agravar o problema.
Uma sondagem da rede social LinkedIn realizada em abril de 2020 com 2.000 brasileiros mostrou que 62% dos profissionais se sentiam mais ansiosos e estressados com o trabalho remoto, e 39% se sentiam solitários.
A urgência do cuidado com a saúde mental
“Em 2001, eu trabalhava como repórter e escrevi uma das reportagens mais difíceis da minha carreira, sobre depressão entre executivos de alto escalão. Fiz as entrevistas pessoalmente e me lembro de todas elas, porque aqueles executivos tinham vergonha de revelar seu nome e assumir suas fragilidades”, conta Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais da Great Place to Work (GPTW).
Vinte anos depois, temas que envolvem a saúde mental ainda são difíceis de falar, mas vêm deixando de ser um tabu. “Esse é o legado positivo da pandemia”, opina. Na pesquisa anual Relatório de Tendências, da GPTW, a saúde mental foi citada por 38% dos 1.700 respondentes como o principal tema de gestão de pessoas para 2021.
Outro fator que fez o assunto tomar de vez um caráter estratégico foi quando, em 2019, o burnout foi oficializado pela Organização Mundial da Saúde como doença crônica, entrando para a lista de classificação de doenças como um fenômeno ocupacional. “Não podemos dizer que a pandemia trouxe o assunto da saúde mental para a pauta das empresas, mas definitivamente foi o fator que fez com que se tornasse urgente e estratégico, deixando de ser algo tratado apenas na semana da Cipa ou pelo RH”, diz Diniz.
Há um conceito fundamental para se entender o que está por trás do adoecimento e da desmotivação dos colaboradores: o da segurança psicológica. “Podemos defini-lo em cinco palavras: um ambiente de vulnerabilidade recompensada”, diz Timothy R. Clark, fundador e CEO do LeaderFactor, uma consultoria focada em desenvolvimento de lideranças — e considerado autoridade no assunto.
“Isso pode soar um pouco estranho no início, mas pense bem. Você não pode crescer ou ter um bom desempenho, a menos que se sinta seguro para fazer perguntas, dar e receber feedback, questionar o statu quo, experimentar e até mesmo cometer erros. Quando sua vulnerabilidade for recompensada, você se esforçará mais e demonstrará mais coragem. Quando sua vulnerabilidade for punida, você fará o oposto — vai recuar, e administrar o risco pessoal”, explica.
Não à toa, tanto Daniela Diniz quanto Carol Romano afirmam que recentemente lançaram soluções para ajudar as corporações a cuidar do bem-estar dos colaboradores. A GPTW criou o workshop de Gestão Emocional, que foca a liderança para entender seu papel na criação de um ambiente psicológica e emocionalmente saudável para se trabalhar.
Já Romano juntou-se com mais cinco profissionais de experiências complementares — um médico do trabalho, um especialista em educação corporativa, uma publicitária gestora de pessoas, uma especialista em segurança psicológica e uma profissional de inovação — para formar o coletivo The Mind Factor. Eles atuam como consultores e também oferecem uma experiência de formação de líderes para conectar o bem-estar à estratégia do negócio. Google e Boticário estão entre os clientes.
Meditação, ioga, terapia…
A busca pelo equilíbrio no ambiente corporativo também abriu espaço para todo um mercado de pessoas que oferecem serviços ligados ao bem-estar, desde professores de ioga e massagistas até empreendedores de startups, cada vez mais visados entre os investidores.
Alexandre Ayres trabalhou por três décadas no mercado financeiro e hoje está à frente da MindSelf, que leva programas de meditação a executivos com o perfil como o dele: racional e orientado a resultados. Seus clientes são bancos como Itaú e Votorantim e grandes como Bayer, Smiles e ConectCar. Em apenas dois anos, seu faturamento saiu de 200.000 reais para 1 milhão de reais. Outra startup que está avançando para o universo corporativo é a Vigilantes do Sono.
Nascida no início de 2020, com um chatbot (uma ferramenta de bate-papo automatizada), a empresa acompanha o cliente e o ajuda a construir hábitos saudáveis para dormir melhor. Grupos que oferecem terapia online com certeza estão entre os mais promissores do segmento, puxados pela startup Zenklub, que realiza 50.000 consultas por mês e já recebeu três aportes de investimentos no valor total de 64 milhões de reais.
Com tudo isso, seja o leitor um colaborador estressado, seja uma liderança pressionada para melhorar a vida de sua equipe, as perspectivas são favoráveis. O tema está na pasta dos assuntos estratégicos. E de lá não deve sair até que se faça algo a respeito de seu bem-estar. Saúde!
Por: Camila Antunes | Revista Exame