Confira o papo que batemos com o Tremendão há 15 anos
Em junho de 2007, Erasmo Carlos estava lançando “Erasmo Convida Volume 2”, seu segundo projeto onde gravou algumas de suas canções ao lado de astros da nossa música. Com o cantor divulgando o trabalho e aberto a entrevistas, o Vagalume conseguiu um espaço na agenda do Tremendão.
Prova maior de que ele sempre foi uma pessoa simples e acessível está no fato dele ter topado falar com a gente em um fim de tarde de 5 de junho, o dia de seu aniversário de 66 anos.
Erasmo estava simpático e falou bastante, ainda que tenha sido evasivo em alguns temas mais delicados. A conversa foi publicada no mês seguinte mas estava fora do ar. Hoje, republicamos o texto na íntegra, da forma que foi ao ar há 15 anos, apenas com algumas pequenas modificações.
Dois anos depois, em 2009, ele lançou “Rock’n’Roll”, álbum que revitalizou a sua carreira. O livro que ele disse que estava escrevendo demorou um pouco mais a sair, “Minha Fama de Mau” só chegou às livrarias em 2012. A nota triste fica pelo fato de, nessa época, ele ainda falar que tinha três filhos. Alexandre Pessoal morreria em 2014 vítima de um acidente de moto.
Publicada em Julho de 2007
Por Leandro Saueia
Se existe um artista brasileiro que merece os maiores adjetivos ele se chama Erasmo Carlos. Sua importância nunca pode ser resumida à parceria mais do que vencedora com Roberto Carlos. Erasmo Carlos é o nosso maior roqueiro vivo (seu único concorrente, Raul Seixas, não está mais entre nós), ousou bastante, especialmente a partir dos anos 70 em discos como “Carlos, Erasmo” (que tinha uma música de apologia a uma certa erva com o sugestivo nome de… “Maria Joana“), “Sonhos e Memórias” e “Banda dos Contentes” e, ao contrário de seu parceiro mais famoso, que como todo bom rei vive mais isolado, sempre se manteve mais presente e acessível.
Na primeira metade dos anos 80 Erasmo se tornou cantor pop de sucesso e vendeu milhares de cópias de discos como “Mulher”, “Amar Pra Viver Ou Morrer De Amor” e “Buraco Negro”. Depois dessa fase ele se retraiu, gravou menos do que deveria, mas manteve a parceria com Roberto Carlos, ainda que atualmente eles pouco escrevam juntos.
Talvez a chave para se entender melhor o cantor e compositor como pessoa e artista seja o projeto “Erasmo Convida”. O volume 1 foi lançado em 1980 e trazia o artista ao lado de Tim Maia, Jorge Ben, Rita Lee, Nara Leão, o próprio Roberto Carlos, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros mais.
Ali ficava claro como as músicas da dupla eram abrangentes, adaptando-se aos mais diversos intérpretes e, principalmente se comprovava além do prestígio, o carinho que toda a MPB nutria pelo Tremendão.
Esse carinho pôde ser renovado agora em 2007 quando finalmente “Erasmo Carlos Convida volume 2” foi lançado. Dessa vez temos o astro cantando com ídolos de juventude (Os Cariocas), colegas de geração de primeira grandeza que ficaram de fora do volume 1 (Chico Buarque e Milton Nascimento) e outros que, na época, ainda podiam ser chamados de novatos (Djavan e Simone).
Some aí seus herdeiros dos anos 80 (Lulu Santos, Kid Abelha) e 90 (Skank e Los Hermanos – cuja versão para “Sábado Morto” pode ficar como o último registro do quarteto em estúdio). Fechando o pacote temos Marisa Monte, Adriana Calcanhotto e Zeca Pagodinho e o resultado é um disco que não perde em nada para o volume 1 e ainda ajuda a colocar Erasmo Carlos na mídia pelo que interessa: a sua música.
Há tempos estávamos querendo falar com o Tremendão e quis o destino que o papo rolasse num dia 5 de junho, quando o “nosso amigo” completava 66 anos. O resultado está logo aí embaixo.
Por que o Erasmo Convida volume 2 demorou tanto para sair? Há tempos que te pediam um novo volume não?
Desde que eu gravei o primeiro pediam para eu fazer o segundo. Mas eu sempre falava pra deixar rolar, porque a idéia nunca foi a de fazer alguma coisa oportunista, pra faturar em cima. Tanto que nem show especial a gente vai fazer. Ele é só um projeto feito pelo prazer de juntar todo esse pessoal. Já que se você juntar os dois volumes ali estão representados alguns dos maiores artistas do século dentro da nossa música. Mas como eu te disse, apesar da cobrança eu fui deixando o tempo passar, até que há uns cinco anos eu encontrei o Lulu Santos no aeroporto e disse pra ele que estava pensando em retomar o projeto do “Erasmo Convida”. Ele na hora disse que estava dentro, que iria fazer o “Coqueiro Verde” e que o arranjo já estava na sua cabeça.
Você disse numa entrevista que para fazer o primeiro “Erasmo Convida” simplesmente pegou o telefone e chamou o pessoal. Foi assim dessa vez também?
Dessa vez tiveram alguns critérios de escolha. Antes de tudo fomos atrás dos que teoricamente não participaram do primeiro volume, que foi o caso do Chico Buarque, Simone, Milton Nascimento, Os Cariocas… que são pessoas que eu amo e não puderam por alguma razão estar naquele disco. Outro critério foi o de não repetir nem convidados e nem músicas para evitar comparações.
Também fomos atrás de pessoas com as quais eu já tinha afinidade, como o Kid Abelha e o Skank que já tinham gravado músicas minhas. Eu já tinha gravado com a Adriana Calcanhotto, e composto com a Marisa Monte. O Marcelo Camelo também já tinha feito uma música comigo que entrou no filme “O Casamento de Romeu e Julieta” (a canção leva o mesmo nome do longa).
Os arranjos partiram dos convidados?
Nesse projeto eu nunca ponho a mão no arranjo. Eu deixo rolar o que o convidado sente porque se eu for botar a minha mão, vou acabar escravo da gravação original. Tanto que às vezes eu me assustei ao ver a maneira que alguns enxergam a música (risos), mas tudo bem, eu tô dentro.
Cada artista escolheu a música que quis?
Alguns trouxeram, para outros eu dei algumas sugestões. Os Los Hermanos, por exemplo, escolheram o “Sábado Morto” e o Chico Buarque foi quem chegou com “Olha“. Já o “Cama E Mesa” fui eu que sugeri pro Zeca Pagodinho, assim como “Emoções” que escolhi porque queria ouvi-la com o Milton Nascimento. A Simone já estava cantando “Vou Ficar Nu Pra Chamar Sua Atenção” nos shows dela e a escolha foi natural. E assim foi indo.
Você pensa em fazer um terceiro volume algum dia?
Bicho, quando eu tiver uns 150 anos (risos). Eu acho que aí sim seria muito oportunismo da minha parte. Eu não vou dizer que nunca vou fazer mas talvez eu faça de um outro jeito talvez com o Erasmo Carlos só de compositor e não cantando.
Hoje em dia os seus discos passam por grande reavaliação e percebe-se que os mais jovens têm um grande respeito pela sua obra. Queria que você falasse um pouco sobre esse momento e como se sente quando um músico ou fã mais jovem diz adorar um discos feitos há mais de 30 anos como “Carlos, Erasmo” ou “Sonhos e Memórias”.
Eu fico feliz e é um motivo de reflexão. Pô, quantas músicas são feitas todos os dias e nesse turbilhão de coisas, um monte de canções que a gente faz vão ficando para trás sem nunca serem descobertas. Os clássicos para se tornarem clássicos de fato dependem muito das regravações. Por isso eu gosto muito quando regravam músicas minhas. Eu nem me importo que pensem que ela é do cara (risos). O ###Léo Jaime### fez muito sucesso com “Gatinha Manhosa” fim dos anos 80 e ele falou pra mim que o pessoal chegava e dizia: “Pô Léo, bacana essa sua música” e ele respondia “Essa música é do Erasmo Carlos e do Roberto Carlos pô” (risos), mas eu não me importo com isso não.
Por falar no “Carlos, Erasmo” (nota – o disco de 1971 considerado pela crítica o seu melhor trabalho) fale um pouco desse trabalho para a gente. Algo que chama a atenção é a relação dos músicos que tocam nele…
Pô ali estão quase todos os Mutantes, o (guitarrista) Lanny Gordin, o Taiguara toca piano no disco e não está com o nome na ficha. Teve a Caribean Steel Band e foi muito legal gravar com tambores de lata. O estúdio ficava uma festa com esse pessoal todo.
Nós conferimos o seu show com o “Clube do Balanço” na Virada cultural. Como é subir ao palco com esse pessoal mais novo?
Eu adoro tocar com o Clube do Balanço, quando eu subo no palco com eles eu fico transtornado e me torno apenas mais um integrante do grupo. É legal que na minha carreira agora eu tenho várias facetas. Eu faço shows de Jovem Guarda com os meus amigos daquela época. Então lá eu sou Jovem-Guarda. Com o Clube do Balanço e a Orquestra Imperial eu sou sambista. E tenho a minha vida própria onde me mantenho atual.
Você pretende cair na estrada agora? Existe a vontade de fazer ao vivo o repertório do novo disco com alguns convidados?
Show em cima desse disco eu não vou fazer, primeiro porque eu não vou poder contar com a presença dos outros artistas. Claro que algumas músicas estão entrando no repertório dos shows, como “Olha“, que está sendo pedida. Mas fazer um show em cima do “Erasmo Convida”, botando, sei lá, os convidados num telão iria ser uma coisa ridícula e oportunista.
E a biografia do Roberto Carlos (“Roberto Carlos Em Detalhes”)? Você chegou a ler o livro? Queria comentar algo a respeito?
Eu não li. Aliás não estou lendo nada que fale sobre mim e sobre a época, porque estou escrevendo o meu livro há um ano e meio e devo demorar ainda mais um ano até acabar. Depois disso só é que eu vou ler.
Nem o livro do Pedro Alexandre Sanches você leu? (nota – o jornalista escreveu “Como Dois E Dois São Cinco”, analisando a obra musical de Roberto e Erasmo, e é o responsável pelo release do novo CD de Erasmo)
Pô, ele é meu amigo, até me cobra a leitura (risos). Meus filhos até me contam o que os livros contam, mas eu mesmo não li. Mas eu falo muito. Eu dei entrevista pro Nelson Motta pro livro dele “Noites Tropicais”, contei histórias minhas, sobre o Tim Maia, do próprio Roberto Carlos… Também falei com o Pedro Alexandre… mas com esse rapaz do livro do Roberto (Paulo Cesar de Araújo) eu não falei. Ele veio uma vez aqui em casa com uma equipe de faculdade para me entrevistar e usou esses depoimentos. Agora falar especificamente para o livro dele eu não falei.
Você costuma dizer que sua amizade com o Roberto dura porque vocês se encontram só para trabalhar e no máximo se telefonam nos aniversários. Bom, o Roberto já te ligou hoje (risos)? Desde o último disco dele vocês já se reuniram para escrever novas músicas?
Ele ainda não ligou não bicho (risos) umas dez pessoas já ligaram aqui, mas ele não. No aniversário dele nós nos falamos. E não voltamos a nos reunir para compor mais nada também. Mas tem que ver que hoje nós temos as nossas vidas, com shows, família, não sobra tempo para se encontrar. Quando garoto a gente se encontrava toda hora, ia pro cinema junto… mas isso acabou.
Hoje em dia tanto você como ele têm uma agenda menos apertada. Como era nos anos 70 conciliar a agenda dele com a sua? Vocês compunham músicas tanto para os discos seus quanto os dele ao mesmo tempo?
Não tinha complicação não, era só marcar o dia e a hora. Separávamos na agenda alguns dias do mês tal e nos encontrávamos. A gente já vinha com as ideias na cabeça, as coisas anotadas e era só desenvolver.
A gente já sabe que vocês foram uma parceria de fato (diferente de Lennon e McCartney que muitas vezes compunham sozinhos mas assinavam em dupla). Queria saber então como essa parceria funciona. Tem alguma coisa que você consiga fazer mais facilmente do que o Roberto e vice-versa?
Pô bicho você quer tirar as coisas do meu livro, aí ninguém vai querer ler ele quando sair (risos).
Vocês costumavam gravar fitas demo das músicas que faziam? Queria saber como funciona o processo que vai do fim da composição até ela aparecer gravada. Você ouve os arranjos antes?
Sim claro, nós temos uma parceria normal, como todas as outras, profissional pra caramba, mas normal. Gravamos fitas e fazemos anotações. Com arranjo a gente não se mete. Assim que a composição acaba ela vai pro estúdio e aí cada um sabe o seu caminho. O resultado final mesmo só ouvimos quando o disco sai.
Aliás vocês nunca tiveram a vontade de gravar um disco todo juntos, e fazer um show nesses moldes?
Olha, não sei, não dá, tem coisa de gravadora aí… mas nunca pintou essa ideia. Nós já gravamos uma ou outra música juntos, mas foi isso. E nem é o caso de ter. Eu não sou cantor, sou compositor. Pô eu vou fazer o que no disco dele? O Roberto Carlos canta pra cacete (risos) eu vou é atrapalhar o disco. Nesses discos que eu gravo com outras pessoas, o tom é sempre um problema. Cantar com a Adriana Calcanhotto foi complicado, porque o tom dela é muito alto. O da Paula Toller também. No outro volume foi o mesmo problema pra cantar com a Maria Bethânia.
No seu site você diz que um de seus defeitos é ser centralizador. Como é que você consegue trabalhar tão harmonicamente com o Roberto Carlos que também é centralizador por natureza?
Aí eu não me meto com ele e nem ele se mete comigo. A gente chuta a bola, deixa o jogo seguir e depois volta pra casa…
Você acompanha ainda o que seus colegas de geração andam fazendo? Ouviu os mais recentes discos de Caetano, Bob Dylan ou Paul McCartney?
Eu dou umas ouvidas né? Eu estou olhando aqui para a pilha de discos que eu tenho pra ouvir, se eu for escutar tudo isso eu vou passar o resto da minha vida ouvindo disco (risos). É muita coisa, são as bandas novas que mandam coisas para mim, os discos novos dos meus contemporâneos e tenho ainda que achar tempo para ouvir as músicas que eu gosto né? Mas alguns grupos me chamam a atenção, como o Luxúria, o Cachorro Grande e o Mombojó.
Como é ser empresariado pelo próprio filho?
Eu tenho três filhos: um é baterista (Gil Eduardo), o outro é cantor (Alexandre Pessoal, morto em 2014) e o Léo (Leonardo Esteves) toma conta dos negócios, porque alguém tem que trabalhar né (risos)? Ele cuida da minha editora musical e agora também estamos lançando alguns CDs e DVDs pelo nosso selo, o “Coqueiro Verde Records”.
Entre as músicas suas que mais são buscadas aqui no Vagalume estão “Mulher (Sexo Frágil)” e “Sentado à Beira do Caminho“. Fale um pouco sobre essas canções e da importância delas para você.
“Mulher (Sexo Frágil)” é uma música legal pra caramba que eu fiz com a Narinha (a sua então esposa). Ela fez uns versos num desabafo e eu gostei deles, aí os desenvolvi e fiz a música. E o Sentado à Beira do Caminho” é o meu maior sucesso. Eu tenho que cantá-la em todos os shows senão o o pessoal fica bravo (risos).
E ela vem se revelando como a música mais regravada de Roberto Carlos e Erasmo. Além de já ter sido tema de três novelas, ela entrou em dois filmes estrangeiros: “Big Guns”, com o Alain Delon na década de 80, e mais recentemente no “12 Homens E Um Outro Segredo” (ela é ouvida na sequência inicial numa versão em italiano feita por Ornella Vanoni).
Não acha curioso que uma música com uma letra complicada como essa tenha feito tanto sucesso?
Pô, cara decora música do Lenine (risos), tipo naquela música maravilhosa em que ele fala das musas de todo mundo, (“Todas Elas Juntas Num Só Ser“) e não vai decorar Sentado à Beira do Caminho“?
Fonte: Vagalume