Curtiu o filme estrelado por Leonardo DiCaprio? Confira outras comédias mordazes em que a arte imita (e ridiculariza) a vida

Certas obras traduzem o espírito de sua época com tamanho senso de oportunidade que se tornam fenômenos imediatos. É o caso de Não Olhe Para Cima; dirigido por Adam McKay, o longa-metragem ataca, com sagacidade, aspectos marcantes destes nossos dias, como o negacionismo científico e a politicagem.

Mas não faltam exemplos de outras sátiras, tão ou mais inteligentes: há desde clássicos que se mantém atuais a películas que conquistaram status de cult com o passar do tempo. A seguir, uma seleção de filmes que inspiram risos naquele incômodo misto de graça e desespero.

Dr. Fantástico (1964)

Os comunistas estão nos envenenando! Uma das teorias da conspiração mais populares nos Estados Unidos entre as décadas de 1940 e 1950, auge do macartismo (o período de caça às bruxas comunistas durante a Guerra Fria), era a de que os soviéticos estariam colocando fluoreto no suprimento de água dos rivais, a fim de enfraquecer sua população.

Em Dr. Fantástico, é justamente essa convicção estapafúrdia que move o general Jack Ripper (Sterling Hayden), das Forças Armadas norte-americanas, a lançar, sem autorização, um ataque nuclear contra a URSS. O diretor Stanley Kubrick é coautor do roteiro em que, diante do iminente fim da humanidade, a cúpula do governo dos Estados Unidos casualmente discute deixar o bombardeio seguir em frente e, mais tarde, criar um programa para repopular o planeta.

Causa alguma surpresa o fato de que o cineasta, normalmente frio e sisudo, seja responsável por essa comédia rasgada; boa parte de sua força cômica, porém, cabe ao incomparável talento de Peter Sellers, que interpreta o presidente dos EUA, um oficial britânico e o personagem-título, um ex-nazista. Obrigatória em qualquer lista, esta sátira acabou ficando datada, já que, com o fim da Guerra Fria, o mundo capitalista superou sua paranoia em relação ao bicho-papão comunista, não é mesmo?

Dr. Fantástico está disponível para aluguel no Amazon Prime Video.

Rede de Intrigas (1976)

Embora seja comumente usada como sinônimo de “mentira”, a palavra “factoide” tem uma nuance conceitual importante. Na definição de seu criador, o escritor norte-americano Norman Mailer, o termo se refere a “fatos que não existem antes de aparecerem em uma revista ou jornal”. Ou seja, não se trata, necessariamente, de uma fabricação; um factoide é, antes, algo manipulado pela mídia, seja para favorecer certo discurso, seja para atrair o público.

Rede de Intrigas explora essa segunda noção: ao descobrir que está prestes a perder o emprego, o âncora de tevê Howard Beale (Peter Finch) anuncia, no ar, que irá cometer suicídio diante das câmeras no próximo programa. Instado pela emissora a se desculpar publicamente, o apresentador, ao invés disso, usa a oportunidade para vociferar suas frustrações. O desabafo faz sucesso e, no lugar da carta de demissão, Beale ganha seu próprio programa.

O brilhante roteiro de Paddy Chayefsky equilibra o tom farsesco da história do âncora com os comentários ácidos contidos no arco da amoral executiva da emissora Diana Christensen (Faye Dunaway). O longa-metragem cresce, ainda, com o estilo realista do diretor Sidney Lumet e sua habilidade de extrair o melhor do elenco. Uma crítica oportuna em uma época em que a mídia e, acima de tudo, as redes sociais favorecem factoides, notícias falsas e discursos de ódio – e lucram com isso.

Rede de Intrigas está disponível no Canal MGM no Amazon Prime Video.

Existe uma lógica interna por trás da tradução em português: a ideia de que um evento repentino no filme não tem relação alguma com outro acontecimento importante. Ainda assim, é curioso notar que o título Mera Coincidência remete ao fato de que o longa dirigido por Barry Levinson acabou beneficiado pelo acaso: foi lançado pouco antes da eclosão da crise envolvendo o presidente norte-americano Bill Clinton e a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky e as subsequentes operações militares nas quais o país se lançou.

Isso porque o roteiro de David Mamet e Hilary Henkin gira em torno justamente de um escândalo sexual protagonizado pelo presidente – abafado graças à intervenção do relações públicas Conrad Brean (Robert De Niro) e do produtor hollywoodiano Stanley Motss (Dustin Hoffman), que usam a magia do cinema para inventar uma guerra na Albânia e, assim, desviar a atenção do público. Nada melhor para comprovar a força de uma sátira do que um exemplo real acontecendo ao mesmo tempo…

A propósito: o título original, Wag the Dog (algo como “abanar o cão”), é uma expressão idiomática usada para descrever a estratégia de distração retratada no longa. Existe um correspondente perfeito em português, ao qual nós, brasileiros, infelizmente temos nos habituado nos últimos tempos: cortina de fumaça.

Obrigado Por Fumar (2005)

Publicado em 2010, Merchants of Doubt (“Mercadores da Dúvida”, sem tradução no Brasil) é um dos mais importantes livros científicos deste século. Nele, os historiadores Naomi Oreskes e Erik Conway mostram como, a partir da década de 1950, a indústria do tabaco investiu pesado para explorar o método científico, baseado na dúvida e no questionamento, para manipular a mídia e o público, criando um falso debate a respeito da inegável ligação entre o fumo e o câncer de pulmão.

Esse é o universo retratado em Obrigado Por Fumar: na trama, Nick Naylor (Aaron Eckhart) é um lobista que atua junto a políticos e jornalistas para defender os interesses de seus contratantes do setor tabagista. Baseado em um romance homônimo, o filme de estreia do diretor canadense Jason Reitman capricha no sarcasmo e no humor ácido, especialmente nas sequências que mostram os encontros informais de Nick com seus colegas Polly (Maria Bello) e Bobby (David Koechner), lobistas do álcool e das armas, respectivamente.

Obrigado por Fumar está disponível no Star+.

Idiocracia (2006)

Em algum momento da pré-história, o Homo sapiens conviveu e interagiu com outros hominídeos de cérebro menos desenvolvido, como neandertais e denisovanos – e, felizmente para nós, tornou-se tornou a espécie dominante. Idiocracia brinca com essa ideia e a subverte: cobaia em uma experiência militar, o soldado Joe (Luke Wilson), apontado como o “mais mediano” da corporação, é colocado em animação suspensa, juntamente com a prostituta Rita (Maya Rudolph). Por uma série de fatores, eles acabam sendo mantidos naquele estado por 500 anos, sendo acordados por acidente. Deparam-se, então, com um país emburrecido, em que Joe é dono do QI mais alto.

Idiocracia está disponível para aluguel digital no Google Play.

Fonte: Jovem Nerd

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